sexta-feira, 27 de julho de 2012

NOMEDACOUSA ENTREVISTA | NANA


Fofura — é a primeira palavra que vem à cabeça, ao entrar na página de nana, duo formado pelos baianos Ananda Lima, a nana, 21, e João Vinícius, 27. O cabra internauta, cria do sertão, fica um pouco incomodado com tanto cuti-cuti. Expressionismo alemão?, lê, franzindo o cenho. Intercâmbio na Rússia? O cabra se arrepia — melhor dizendo, se arrupia inteirinhozinho. Aciona-se seu pendor ao neoarmorialismo moderado. Ele pensa impropérios sobre esta geração de artistas gestados nas classes médias das violentas e globalizadas metrópoles brasileiras, vivendo a vidinha hipster, preto no calor, instagramando os buracos entre as pedras portuguesas e se expressando em oh gods, mon dieus e guter gotts. Não que ele seja um Policarpo Quaresma. Mas ele acha que dá barato fazer arte olhando-pro-chão-olhando-pro-céu. Manter o olhar permanentemente n'além — todo bom míope sabe — não dá foco. Ele agora entoa um mantra de oxentes em ritmo de Aquarela do Brasil, enquanto o mouse vai hesitante no play.



E que voz doce! Que arranjos delicados. I cant’ fall in love — uma bossa com gosto de pôr-do-sol na praia. Benjamim é a paz da roça em música, com letra mui sofisticada. Expressionismo alemão faz o cabra levantar-se e girar, dançar um arrocha maroto. O céu de Estocolmo? Mas é o meu também! Como esta garota consegue? 

Assim nasceu o impulso para esta entrevista com nana. Nascida em Catu, registrada em Alagoinhas, criada em Guarajuba, vivendo em Salvador, ela faz música para... Digo, música que... Não, ela faz música, apesar de...

Ela faz música. 



O que, dentro de ti, te impele a fazer música?
Tem uma coisa em mim que me impele a fazer arte de modo geral. Quando eu era criança, coloquei na minha cabeça que tinha que criar coisas, e isso sempre esteve lá, em tudo o que decidia fazer. Arte é uma coisa muito íntima, de precisar se expressar de algum modo, expressar uma outra visão das coisas, um posicionamento estético, tudo isso. É algo que a gente faz meio que por necessidade. Ficar sem arte é como ficar sem água, sem comida, sem casa, a vida fica mais difícil. Essa necessidade sempre me acompanhou. Comecei querendo ser escritora, depois desenhista, depois pianista, escritora de novo, e roteirista... Aí a música me pegou, e não deu mais pra fugir. A música sempre me tocou muito mais que todas as outras formas de expressão. É a mais imediata. Quando eu escuto uma música pela primeira vez, e a música é muito boa (segundo meus critérios), eu fico num estado de: "Pronto, agora tudo faz sentido na minha vida". Quando ouvi o disco de Jorge Ben (o de 1969) pela primeira vez, foi uma coisa emocionante. Nada poderia perturbar minha felicidade de um disco como aquele ter sido feito.


O artista tem alguma missão? 
Não sei se é uma missão, mas acho que o artista — o artista mesmo,  que quer viver de sua arte — deve causar alguma sensação nas pessoas sem se afastar daquilo que ele é. Digo "o artista que quer viver de sua arte" porque muita gente pode fazer arte, e ser artista, sem precisar vender o peixe, nem se sujeitar à opinião de terceiros. Mas quando você resolve viver disso, tem que pensar de que forma a sua arte vai afetar as pessoas. De que forma a manifestação da sua arte (ou seja, daquilo que você é) será aceita (não no sentido de ser aprovada ou não, mas de mexer com o indivíduo). As pessoas querem sentir alguma coisa através da arte e, mesmo inconscientemente, acabam fazendo parte do universo que o artista criou, que é a manifestação de sua necessidade de encontrar a própria identidade. A gente faz arte pela necessidade, no fim das contas, de expressar algo e descobrir algo sobre si ou sobre o mundo. No entanto, o artista não tem a missão de tocar as pessoas, ele deve agradar a si mesmo antes de tudo e não fugir daquilo que lhe é próprio, mesmo que isso envolva chocar as pessoas, polemizar, quebrar paradigmas. Isto que vou dizer é até um clichê, mas, veja, a palavra cantora já inclui mil preconceitos. Quando se acrescenta o baiana, a lista só piora. Me perguntaram uma vez se eu escrevo músicas tão "não-baianas" por escapismo, por querer "fugir da realidade horrível de Salvador". Acho isso engraçado. Como artista, eu faço aquilo que considero bonito e que representa aquilo no que acredito. Quer dizer que, por ser baiana, a minha noção de estética precisa se resumir a coisas baianas, a sons baianos? Me parece tão antiquada essa percepção da arte, como uma manifestação necessariamente regional. Até mesmo na música erudita isso acontece. [nana estuda Composição e Regência.] Já ouvi colegas dizendo que se sentem impelidos a compor usando ritmos de candomblé, mesmo que isso não tenha nada a ver com a identidade musical que querem passar. No meu caso, é uma questão de escolha estética. Estou gravando agora uma música pro disco que tem algo de axé e de ijexá, mas era o clima que eu queria passar naquela música especificamente, e essa possibilidade (de usar ritmos baianos) não deve ser mandatória. Faz parte dessa "missão" do artista não se render ao confortável e seguir com aquilo que realmente se quer, não pela ruptura de padrões e para criar polêmica, mas pela arte.



Qual seu ideal de realização profissional? Em que ele se aproxima e em que se afasta do imaginário clássico da carreira de músico — gravadora/distribuidora, disco físico, turnê?
Acho coerente as bandas se transformarem em empresas e funcionarem de forma independente, e acho essa situação ideal pra mim. Na carreira musical ainda existem aqueles símbolos clássicos para ser um artista de verdade, tipo o disco físico, o videoclipe. Faz sentido esses símbolos existirem, pois eles são feitos para o público, e geralmente funcionam. Estamos gravando um disco agora e pretendemos prensá-lo, fazê-lo circular pelo país, fazer shows de lançamento, tudo isso — por enquanto, através de nossos recursos, de forma independente. É importante um artista independente juntar um bom dinheiro e fazer contatos pra poder funcionar bem, é essencial. Os serviços que as gravadoras contratariam para fazer um artista circular podem ser contratados pelas próprias bandas, se elas acharem necessário e puderem pagar. O mais difícil, como sempre, é fazer contatos e conhecer as pessoas certas. Acho que hoje o modelo clássico da carreira musical é coisa rara, dadas tantas formas diferentes de gerenciar a carreira.

Você se lançou na internet antes de começar a fazer show. Ainda se lembra do que sentiu no palco, na primeira apresentação? Você gosta de fazer show?
No primeiro show, fiquei tão nervosa que mal conseguia falar com o público. Tinha anos que eu não pisava num palco pra tocar. Mas, a partir do segundo show, o nervosismo deu lugar a uma sensação muito boa, de estar fazendo aquilo que gosto e tendo a chance de mostrar minhas músicas. É algo único, muito especial. Gosto muito muito de fazer shows e me divirto tocando. 


Qual foi o maior achado musical que a internet já te proporcionou? 
É difícil escolher o maior achado. Tem a trilha sonora do filme francês de 1968, Sexopolis - Le Mariage Collectif, do compositor Jean-Pierre Mirouze. É um disco instrumental incrível, que conheci por acaso através dos vídeos relacionados do Youtube ,e acho que foi a maior descoberta de todas, por ser um disco raro. Mas tem também Isao Tomita (instrumental também), White Noise (eletrônico experimental dos anos 60). Atualmente, ouvi o disco Lemniscate, de Vinyl Williams, e me apaixonei pela textura; certamente é a melhor coisa feita nos últimos cinco anos. Pesquisar música é uma coisa diária, que quem estuda/faz música. Pra mim, o melhor lugar pra descobrir música é no Youtube e no Bandcamp. Também acompanho os sites Far From Moscow (pra ouvir o que rola no Leste Europeu) e o Birp.



Em 2012, nana participou da coletânea Re-Trato, com covers do Los Hermanos, organizada pelo site A Musicoteca

Existe um mal-estar generalizado de que tudo já foi feito ou falado artisticamente. Você compartilha dele? A originalidade é algo que te preocupa? 
Essa questão de originalidade me persegue dia e noite. Primeiro, eu acredito que originalidade vai além de fazer uma coisa totalmente nova. É muito mais uma questão de ter identidade e de ser genuíno. Mas, no caso de fazer uma coisa totalmente nova, nunca antes vista, eu acredito que é necessário existir um contexto para tal. O ambiente precisa ser favorável, sabe? Como quando começou a bossa nova. A própria bossa nova era uma mistura de várias coisas que já eram bem conhecidas pelas pessoas, mas unidas de uma forma incomum, e que ao mesmo tempo contrastava com tudo o que era feito. Hoje em dia, esse contraste é muito mais discreto, porque não existe mais um ou dois estilos musicais predominantes, são centenas. E as pessoas escutam aquilo que elas gostarem mais. Eu não acho que o ambiente seja favorável para o surgimento de um novo estilo musical ou um movimento diferente, até porque os próprios artistas não se conhecem mais. É muita gente tentando, e, no que tange à criação artística, há pouca união. Esse é o momento da individualidade, da expressão própria de cada artista, aflorar. As pessoas têm valorizado mais aquilo que é único em cada artista, e menos os rótulos. Não sinto mais aquela necessidade que havia no início dos anos 2000, de gostar de 10 bandas de rock (extremamente parecidas, diga-se de passagem), simplesmente porque era padrão gostar de todas. Talvez eu esteja enganada, mas o que tem atraído público para os novos artistas, mais e mais, são as singularidades, a identidade musical de cada um. Por isso, ser original é ser genuíno e mostrar aquilo que lhe é peculiar. Todo artista deveria se preocupar com isso ao invés de tentar desenvolver algo revolucionário. Não acho, contudo, que tudo já tenha sido feito, pelo contrário. Ainda há muita novidade no ar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário